Rodrigo Cardoso
A propagação do estilo de vida de
milionários do mundo da bola, como o do português Cristiano Ronaldo, do
brasileiro Neymar e do inglês David Beckham, dá a falsa impressão de que o
talento e o vigor físico de um postulante a craque, quando devidamente burilados,
são a senha para uma vida financeira sem sobressaltos. Poderia ser assim para
muitos, se os clubes, capazes de pagar altas fortunas para atletas encararem
estádios lotados, os ensinassem também a melhor maneira de usar o dinheiro que
estão recebendo, uma vez que começam a carreira muito novos e, em geral, não
têm oportunidade de estudar. Essa falha na formação do jovem esportista, em
muitos casos, tem um preço, que é cobrado depois do fim da carreira. No mês
passado, uma pesquisa feita na Inglaterra revelou que três em cada cinco
boleiros, ou 60%, declaram falência em até cinco anos após se afastarem dos
gramados.
REVÉS
Depois de ser preso, perder casa e carro e, recentemente,
sofrer uma isquemia cerebral, Zé Elias vai trabalhar de bicicleta
Depois de ser preso, perder casa e carro e, recentemente,
sofrer uma isquemia cerebral, Zé Elias vai trabalhar de bicicleta
No Brasil, onde não há um levantamento
similar ao realizado na Inglaterra pela XPro, uma instituição de apoio a
ex-futebolistas, a falta de responsabilidade social dos clubes não prepara o
jogador para além das quatro linhas e acaba contribuindo na formação de
ex-atletas com graves dificuldades econômicas. Ciente do problema, o Sindicato
dos Atletas Profissionais de São Paulo (Sapesp) saiu batendo na porta das
sociedades esportivas, três anos atrás, com um projeto que visava, por meio de
palestras sobre educação financeira, orientar os atletas em atividade. Conseguiu ,
porém, realizar apenas dois eventos. “Os clubes não têm consciência social. A
gente fazia contato e sempre ouvia: ‘Agora não dá’. Paramos com tudo”, conta
Rinaldo Martorelli, presidente da Sapesp. Apesar de a Associação Inglesa de
Profissionais de Futebol contestar os números da XPro, alegando que a falência
de ex-jogadores está na casa dos 20%, é fácil constatar que o problema está
disseminado mundo esportivo afora.
Na NBA, a liga profissional de basquete
norte-americana, 60% dos ex-atletas vão à falência em até cinco anos após se
retirarem das quadras. Na NFL, a liga de futebol americano, estima-se que, dois
anos após a aposentadoria, 78% dos ex-jogadores enfrentam dificuldade
financeira ou estão falidos. Exemplo dessa triste estatística, o ex-armador do
Philadelphia 76ers Allen Iverson, um dos astros da NBA, recebeu R$ 310 milhões
em salários durante a carreira. Recentemente, porém, levou a leilão a mansão,
pela qual pagara R$ 9 milhões, para arcar com despesas pessoais, como dívidas
em uma joalheria no valor de R$ 1,7 milhão, e um acordo de divórcio na casa dos
R$ 6 milhões. Iverson, adepto de jogos de azar, tem apenas 37 anos. É comum
jogadores que recebem fortunas cada vez mais exorbitantes caírem na armadilha
de achar que dinheiro nunca lhes faltará. E não dão o devido valor ao fato de,
depois do anúncio da aposentadoria, terem ainda pela frente 30, 40 anos de
vida.
Divórcios como o de Iverson e de seu
colega de NBA Dennis Rodman, que acumulou R$ 1,6 milhão em dívidas por falta de
pagamento de pensão alimentícia, mesmo depois de vencer cinco vezes a liga de
basquete americana, jogando, inclusive, ao lado de Michael Jordan, são
responsáveis pelo declínio financeiro de um em cada três atletas no futebol. É
o que mostra o levantamento da XPro, que lista também maus conselhos de
investimento como outro fator que varre a conta bancária dos esportistas. Aos
36 anos, o ex-zagueiro William Machado, que se aposentou em 2010 jogando pelo
Corinthians, é diretor de uma empresa de consultoria financeira que administra
o capital de 25 atletas brasileiros – ou um total de R$ 50 milhões. Ele já viu
um ex-colega de profissão ser aconselhado a investir na criação de avestruz e
perder R$ 500 mil e, mais comum, atleta que compromete 80% da renda mensal com
parcelas do financiamento de um imóvel. “A gente olha uma casa como o melhor
investimento do mundo, mas nem sempre é assim. Ficar trocando de carro é também
um suicídio financeiro comum entre os jogadores”, diz.
Vitorioso dentro de campo, o
ex-atacante Muller, campeão do mundo em 1994 pela Seleção e da Libertadores da
América e do Mundial de clubes pelo São Paulo, encarou a ruína financeira ao
gastar dinheiro com mulheres e com a compra e venda de mais de 20 carros. Hoje,
aos 47 anos, Luís Antônio Corrêa da Costa, seu nome de batismo, mantém-se como
comentarista de tevê, mas chegou a declarar em uma entrevista ao “Esporte Fantástico”,
da Record, em 2011, que morava de favor na casa de um amigo. Muller foi
procurado, mas não retornou as ligações de ISTOÉ. O ex-volante da Seleção
Brasileira José Elias Moedim Júnior, mais conhecido como Zé Elias, que nem
carro para trabalhar possui, perdeu o que ganhou em um processo de divórcio,
com despesas com advogados e pagamento de pensão alimentícia de dois de seus
filhos. Pior: em 2011, passou 28 dias preso por não honrar o pagamento da
pensão.
O ex-jogador, que estreou com a camisa
profissional do Corinthians aos 15 anos e atuou por dez anos na Europa, gastou
seus rendimentos com, entre outras despesas, viagens para familiares e amigos
que iam visitá-lo e a compra de uma casa. Esse imóvel foi repassado à primeira
esposa, de quem se divorciou em 2005. Ao ser preso, a dívida dele pelos atrasos
do dinheiro pago aos filhos estava em cerca de R$ 1 milhão. Recentemente, quando
um desembargador decidiu que o ex-atleta deveria pagar uma pensão cujo valor é
mais que o dobro do salário que recebe de uma rádio AM como comentarista, teve
uma isquemia cerebral temporária. Casado pela segunda vez, Zé Elias mora na
casa da esposa, que é médica. Aos 36 anos, recebe na rádio AM, trabalhando em
dois turnos, dez vezes menos do que ganhava em seu último clube. Sem carro
próprio, vai trabalhar de bicicleta. “Eu comecei muito cedo e não tive
orientação financeira”, lamenta-se.
Jogador de futebol costuma passar pelo
menos 20 anos da vida trabalhando pesado durante dois turnos na semana e
correndo atrás de uma bola no sábado ou no domingo. “Não encontra tempo para
encarar um curso técnico ou uma faculdade a distância que seja”, afirma a
psicóloga Luciana Ângelo, que prepara a tese de doutorado “Gestão de carreira
esportiva: uma história a ser contada no futebol”, a ser defendida na
Universidade de São Paulo. Suas mulheres, em alguns casos, se casam com o
personagem jogador e não suportam a ausência dele em família ou abandonam a
relação ao descobrir outro tipo de pessoa ao final da carreira esportiva do
parceiro. E levam metade do que ele acumulou nesse tempo todo. Feras no
esporte, os atletas precisam de treino para não perder para outros adversários
da vida.
Fotos: João Castellano/Ag. Istoé Arquivo/ag. O Globo; JOHN
ANGELILLO/upi hotos; Lisa O’Connor/ZUMAPRESS; Arquivo/
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