segunda-feira, 8 de julho de 2013

Pacientes com doenças raras lutam até na Justiça pelo direito à saúde

Maria Vitória, de 6 anos, com os pais Alessandra e Rogério
Maria Vitória, de 6 anos, com os pais Alessandra e Rogério Foto: André Coelho / Extra



Neu-ro-fi-bro-ma-to-se. O contador Rogério Lima rodava em torno da palavra. Alessandra, sua mulher, havia telefonado pouco antes. Chorando.
- Disseram que a Maria Vitória tem 80% de chance de ter neurofibromatose.
- O que é isso?
- Não explicaram.
Era o primeiro diagnóstico que o casal recebia, após anos levando Maria Vitória a dermatologistas e pediatras. A menina, hoje com 6 anos, tinha 3 na época, e nascera com misteriosas manchas café com leite pelo corpo. Tinha dificuldade na fala e era mais agitada que os coleguinhas.
Aflito, Rogério ligou o computador. A internet esclareceria as dúvidas, pensou. Não podia ser nada ruim, não com a garotinha dele, cachos e rosto de anjo.
- O primeiro link apontava um site de bizarrices. Comecei a chorar.
Quando a família de Brasília foi ao Rio e fechou o diagnóstico, o choro veio mais forte. Não sabia o que aconteceria. Tudo era enigma. O oceano de interrogações em que Rogério e Alessandra submergiram até descobrir o que Vitória tinha é o mesmo que engole a maioria dos pacientes com doenças raras. Como o EXTRA mostrou ontem, cerca de 13 milhões de brasileiros sofrem dessas enfermidades, que atingem até 1,3 a cada 2.000 pessoas. Grande parte dos médicos não ouviu falar nem desconfia dos sintomas.
Diagnósticos errados proliferam no Sistema Único de Saúde (SUS), com prescrições para curar outras doenças - ou o negligente e cômodo “isso não tem jeito”.
Embora o SUS só tenha protocolos clínicos para 25 dessas enfermidades - sendo 12 por meio de remédios -, 381 doenças raras podem ser tratadas com algum tipo de medicamento, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Não são remédios baratos, por serem produzidos para um círculo restrito de pacientes.
Porta fechada no SUS, janela aberta na Justiça, para garantir o direito de acesso à saúde. Segundo o estudo “Intervenção judicial na saúde pública”, compilação feita pelo Ministério da Saúde das ações judiciais que enfrentou em 2012, 86% dos gastos da pasta com remédios comprados por ordem judicial foram para esses pacientes. Só o Elaprase, solução injetável que retarda a mucopolissacaridose tipo II, consumiu R$ 73 milhões na Justiça - uma dose do remédio custa, em média, R$ 200 mil.
Na falta de uma política nacional que atenda pessoas com doenças raras - o governo federal promete lançá-la em outubro -, o empenho isolado de médicos e outros profissionais do SUS garante o atendimento. João Gabriel Daher atende como voluntário dezenas de pessoas, em quatro hospitais do Rio. Foi lá que conheceu o casal Cátia e Alexsander Benassi, de 40 e 41 anos, respectivamente.
Cátia e Alexsander são portadores de doenças raras
Cátia e Alexsander são portadores de doenças raras Foto: Roberto Moreyra / Extra
Os dois têm doenças raras - ela é portadora do mesmo tipo de neurofibromatose que Maria Vitória e ele tem epidermólise bolhosa.
- Sempre acham que nos conhecemos em grupos de ajuda ou salas de espera - ri, alisando a perna do marido.
Não foi. Conheceram-se há 20 anos, em um baile de Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio em que moram. Os dois esconderam suas doenças. Os carocinhos de Cátia eram poucos, e Alexsander sabia camuflar bem suas bolhas. Tomaram coragem, contaram, casaram-se. Dos dois filhos, um tem neurofibromatose. No sofá de casa, um fala sobre a doença do outro. As dores são iguais.
- Ele me dá força, garra, incentivo. Me dá amor, mais forte que qualquer doença - conta Cátia.
Motivos da precariedade do atendimento
Distância: Hoje atendida por uma equipe que inclui até fonoaudiólogo, Maria Vitória vive bem, acompanhando cada manchinha. Mas só no Rio - a 1.162 quilômetros de casa - encontrou um especialista, o médico pesquisador João Gabriel Daher, do Serviço de Genética Clínica da UFRJ. “O Brasil tem poucos centros de referência. Pessoas de locais distantes, como Rondônia e Acre, ficam abandonados”.
Multidisciplinar: De acordo com o médico, faltam no Brasil centros que ofereçam cuidado integral ao paciente. Ele explica que a maioria dos tratamentos devem ser multidisciplinares, com médicos de diferentes especialidades, psicólogos, fonos e terapeutas.
Lá fora: Só Canadá, Estados Unidos, União Europeia e Japão têm políticas nacionais para pacientes de doenças raras.



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