segunda-feira, 8 de maio de 2017

Zé Ricardo e os operários do Fla





“Experiência não se compra em farmácia.” A interessante declaração feita a uma rádio carioca ainda no gramado do Maracanã revela muito da personalidade de Zé Ricardo, o técnico do Flamengo que acabara de conquistar seu primeiro título como técnico de um time profissional.
E há muito do treinador nessa conquista rubro-negro, queiram ou não admitir seus críticos. O Flamengo está longe de ser um time de craques. Está mais para uma leva de operários da bola rejeitados em outros clubes por motivos variados: atuações irregulares, contusões e idade avançada para um atleta de alto nível. Fruto da política do clube de buscar primordialmente atletas com experiência e de baixo custo, só ficam de fora dessa peneirada jogadores como Guerrero e Diego.
Márcio Araújo é o símbolo maior do escrete de “rejeitados”. Seu rótulo no mercado da bola era curioso: “Não contrata que ele joga!”. Melhor definição não há para um meio-campista que está longe de ser habilidoso com a bola nos pés, mas atende perfeitamente aos anseios dos treinadores por um atleta incansável que se dedica de corpo e alma à marcação, dando segurança à frente dos zagueiros e cobrindo com dedicação a subida dos laterais. Busque a lista dos treinadores de renome do futebol brasileiro e verá que todos tinham o seu “Márcio Araújo”: Parreira, Zagallo, Felipão…
No  mais, dificilmente clubes vão brigar para contratar Rodinei, Pará, Réver, Trauco, Rômulo, Rafael Vaz e outros que levantaram a taça de campeão carioca.
E ainda tem aqueles como William Arão e Éverton que oscilam entre os aplausos e a desconfiança da torcida.
Quanto a Gabriel, o indefensável, o máximo que Zé Ricardo pode esperar, se as coisas derem errado, é ser lembrado por colocar em campo um jogador marcado por atuações ruins, mas que pelo bem do “time operário” e nada falta de alguém melhor estava lá como uma opção.
E onde está o dedo do treinador? Está na consistência tática. Não é demais lembrar que Zé Ricardo herdou um time alquebrado de Muricy Ramalho, que não se acertava em campo. Agarrando-se a um 4-4-2, que muitas vezes virava um 4-5-1 na marcação, o time mostrou em diversas oportunidades que seria um time difícil de ser batido. As atuações irregulares de Guerrero em 2016 frustraram as chances de título. Este ano, a boa fase do atacante, ao lado de um Diego preciso no apoio, melhoraram em muito a performance do conjunto. E quando as peças falharam, o treinador encontrou em seu banco de reservas peças para manter o operariado funcionando.
O próprio Muricy reconheceu neste domingo os dois pontos nesta questão: que o time ia mal em sua mão e que Zé Ricardo demonstrou personalidade, tomando decisões inovadoras e estranhas ao padrão tático brasileiro e, talvez, em especial, ao futebol carioca. A mais recente foi lançar mão de quatro laterais em campo, sendo dois na marcação mais recuada e dois ocupando o meio campo pelas beiradas e indo ao apoio.
Outro ponto importante de Zé Ricardo parece ser a força mental. Ele não se desequilibra ou ao menos não dá sinais disso. Jogo se ganha também nas declarações, na psicologia. Antes das finais, ao encher a bola de Abel Braga, apresentando-o como um técnico abarrotado de títulos e que poderia deixar um para ele, Zé Ricardo, espertamente, jogou os holofotes para o outro lado, o que, em se tratando de Flamengo, um time marcado pelo oba-oba, tem uma grande importância estratégica.
O campeonato carioca coloca o técnico no panteão dos vencedores, dá segurança e abre caminho para um ano que pode ser promissor para o clube, consolidando o Flamengo como um time que, se não é genial, é difícil de ser batido.
E o Fluminense?
Se mantiver os garotos e conseguir reforços de experiência, será um dos grandes deste ano. Mas isso é outra conversa.
(*) Terrence Saldanha é colunista do Tribuna Online

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